Atenção

Segundo Blog em Sou uma Cyborg - Ouvido Impantado

Contacto: soucyborg@gmail.com

domingo, 30 de setembro de 2007

2 Meses - Activação

(Photo By Memorex)

Não podia deixar este dia em branco, faço precisamente hoje dois meses de activada, que entrei no mundo dos sons. Também é importante para mim, relatar o processo evolutivo para mais tarde recordar e saborear de novo essas experiências inesquecíveis. Se alguém me perguntasse, “se pudesses voltar atrás farias de novo o Implante Coclear?” Claro que sim! Quem me conhece, sabe que vou directa ao desconhecido, gosto de arriscar e dou o tudo por tudo!

As descobertas sonoras não pararam de crescer:

Estava ali, sentada na escada sozinha, observando o prédio onde a minha avó vive, a estrada nacional rugia motores, a noite era como uma lanterna, um círculo de claridade desnudava no meio do espaço vazio, uma árvore de Nespereira.
Tudo ficou silencioso, sem esperar, surgiu uma pequena corrente de ar, que fez abanar os ramos e escuto na suavidade uma folha a cair e a rolar no solo… fiquei INCRÈDULA!

A Violeta com a cauda a acenar, ofegante a olhar para mim e a língua de fora revelava o entusiasmo, consegui ouvir a sua respiração, de tão cansada estava fazia um som tão lindo e quando tinha sede lá bebia água, salpicos pulavam na tigela!

Ou estar na cozinha a cortar o pão, o escovar os dentes no silêncio da noite, a melodia de uma simples gargalhada no escuro. O assoar do nariz. O terrível berbequim no Hospital dos Covões foi capaz de interromper por momentos uma conversa divertida com uma amiga especial, que fora implantada.

O elevador dos vidros do carro, espectáculo! A passagem de um comboio na serra, o delicioso churrasco ouvindo a madeira a ser engolida pelo lume, o chocalho das cabras, o tocar suavemente no corrimão, escutar o camião a passar na estrada nacional acerca de 600 metros! Rolas brancas a cantar.

No quintal, na sessão de fonética, ouvi ao de leve um pássaro a voar baixinho, batendo as suas asas! O secador do cabelo é irritante. E os três apitos agudos do processador de fala, anunciando que daqui cinco minutos as pilhas vão acabar – só pode, estou tão babada por ti Sun Melody.

Um dia estava de mãos dadas a passear com o meu namorado, passamos pelas bombas de gasolina e a minha percepção auditiva conseguia captar o barulho do trânsito.
Camionetas, carros e motas por todo o lado, intenso e incomodativo, tudo me soava familiar. Aparece um som diferente, muito agudo e altíssimo no meio daqueles ruídos caóticos, tento procurar mas é difícil, tão imperceptível e escondido estava.
Perguntei-lhe, até lhe descrevi o som, era uma pessoa a encher o pneu de um carro a escassos 40 metros – UAU - de olhos arregalados!

São muitos sons diferentes, peculiares e distintos de muitos outros, mergulhei na cidade de todos os encantos sonoros.

sábado, 29 de setembro de 2007

3 Meses de Cirurgia

(Photo By Memorex)

Faz hoje, três meses que mergulhei contigo Sun Melody, no intervalo de tempo entre o sonho e a realidade na cidade de todos os encantos, no berço do Hospital de Covões. A minha vida conduziu depressa demais, deixei que a obra do desconhecido se aponderasse em mim e espantosamente não senti medo.
Nada de nada.
Estava tão calma, muito serena e em paz para comigo mesma. Fechei os olhos e apercebi da adrenalina invandido o meu ser, gostei de sentir assim, percorri até ao extremo onde ninguém tinha ido e é incapaz de lá conhecer.
Procurava-te Sun Melody, cada vez estavas mais perto e os dedos do cirurgião tentavam desesperadamente ligar-nos, na sombra dos tecidos, do meu sangue até ás vedações dos eléctrodos. Tu procuravas a mesma coisa, e chegaste ao mesmo sítio que eu.
Após uma longa caminhada de acertos, encontramo-nos frente a frente e ligados na aldeia dos sons que mais tarde seria uma grande cidade sonora, sempre a crescer!

segunda-feira, 24 de setembro de 2007

Susto


Tive o primeiro susto da minha vida na era pós-implante, e teve lugar no Metropolitano de Lisboa, precisamente em Entrecampos. Completamente absorta, tão concentrada e entretida na procura de uma agenda dentro da mala, não a conseguia achar.
Retirei o caderno de apontamentos das descobertas sonoras, o estojo apinhado de canetas e o livro de instruções do Nucleus Freedom que levo sempre comigo para casos de emergências, até que finalmente visualizei á superfície um tom avermelhado.

Inesperadamente deixei-os cair, sobressaltei abalada, estupefacta ao ouvir os três apitos agudos penetrantes e violentos, a anunciar o fecho automático das portas nas carruagens, depois do temor abaixei para apanhar a tempo as coisas antes que o metro arrancasse.

Notei, pessoas desconhecidas a observar-me indiferentes, mas iludidos pela surpresa que eu carregava a bobina e o dito Implante Coclear. Era como nunca tivessem visto algo de tão vulgar.
Apenas sorri... Aguardei pela próxima boleia e desta vez não me assustei, memorizei os tais apitos fulminantes.

(com as próteses auditivas cheguei a ouvir esses apitos, mas eram consideravelmente baixos pois a mesma só amplificam os sons e o Implante Coclear estimula electricamente as fibras nervosas remanescentes da cóclea. Uma coisa não tem nada a ver com outra).

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Música


No silêncio da cozinha remodelada e vazia de gente, a televisão ligada e o volume baixinho, sentada no sofá de veludo acastanhado a ler um livro "A Ilha" folheando as páginas, fiquei suspensa ao conseguir escutar nitidamente o som do movimento ao virar a folha.
Repeti o acto mais de quatro vezes e as lágrimas adormecidas deram vida, escorrendo pelo meu rosto, um rio salgado… não de arrependimento e redenção, mas de emoção e felicidade!

O Sun Melody tinha soando apitos agudos, e cinco minutos depois acabado de mudar as pilhas gastas pelas novas, os sons tornaram-se agradavelmente desobedientes e ainda não eram dez horas de noite. Pude ouvir com tanta transparência a brisa suave de Setembro vagueando pelo corredor, nas Ruas do Meio e os ponteiros do relógio dilatava um som subtil e inarticulado.

Momentos mais tarde, sem esperar, a música da festa encurtara para o processador de fala, tomei logo consciência da arte dos sons, melodias faziam dançar o meu corpo enquanto lia, seduzindo-me delicadamente, vibrando com o seu ritmo inconstante.

È tão saboroso ouvir-te [intimamente] SUN MELODY!

quinta-feira, 13 de setembro de 2007

O Cair da Chuva

(Photo By Memorex)

O afocinhar da chuva acarinhava o solo transpirado em vapor, as nuvens carregadas de um cinzento intenso destronavam trovões repetidos de cada três segundos por cima do meu prédio, ecoando a chegada do Outono.
Prestei muita atenção, assim naturalmente fechei os olhos e apercebi-me no sentido da audição, a tempestade de lá fora, feroz com muito vento mas melodiosamente belo! Parece-me uma música de gotinhas a pular, um lustre de pérolas e diamantes líquidos que caiam do céu molhando o pavimento desordenado de sujidade.

[Estou muito feliz, por finalmente escutar os sons do mundo e era algo que há muito aguardava, as nuances de preto e branco tinham dado muita cor, todas elas misturadas e ordenadas de claridade!]