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domingo, 13 de abril de 2008

Activação da S. e o meu Reajuste

A manhã começou caótica, não senti o raio do telemóvel a vibrar e quando olhei para as horas balbuciei asneiras á toa: caraças, fónix, porra, estou frita até aos cabelos! Vesti-me num ápice, tão rapidamente que deixei o pequeno-almoço de lado, não podia perder mais tempo por causa da hora de ponta.

Sempre a olhar para o relógio de pulso, havia fila na auto-estrada da Ponte 25 de Abril, mandei uma sms á S. explicar o sucedido, até lhe propus para ela apanhar o Alfa-Pendular das 07h de forma chegar a Coimbra, a sua activação estava marcada para às 09h. Mas não, preferiu esperar por mim.

No caminho para Santa Apolónia, encontrava-me em Cais de Sodré e de novo recebi a sms da S. “há outro comboio às 07h30, chegas a tempo?” só pensava “Bolas! È o dia mais importante da sua vida e eu atraso-me, fónix, fónix!”, entretanto os semáforos também não ajudaram nada! Sinal vermelho, sinal vermelho, sinal vermelho. Dois minutos para a partida do Inter-Cidades, saio do carro e corro que nem á Obiwelu… e vejo-a sorridente junto á caixa das bilheteiras, dois para Coimbra-B… gentilmente, o empregado repeliu “Agora? Já partiu há um minuto!”

Tarde demais! Amargurada e revoltada, peço á S. muitas desculpas pelo meu atraso inocente, havia o próximo comboio às 08h e lá pagamos as tarifas. Conversamos, ela tão bem disposta e bonita, optimista ao mesmo tempo notava-se uma certa ansiedade, e contara que tivera um pesadelo, tinha sonhado com tubarões! Fomos a um café ali, e vinte minutos passaram, mergulhamos adentro na carruagem do Pendular, instaladas confortavelmente.

Falamos e falamos, uma mistura de sorrisos e perguntas. O percurso foi veloz, parámos em Entrocamento e seguidamente Coimbra-B, o céu pouco nublado e o rosto da S. floriu a beijar estrelas com um encolher de ombros, impaciente e desejosa! Voamos de táxi, directas para a via rápida, mais adiante virámos á direita onde uma placa azul apontava “Hospital dos Covões”, curvas inclinadas e rotundas, ultrapassamos a Universidade de Medicina. Num declive ténue abeiramos junto á paragem de táxis, chegámos!

Cheira á terra molhada, primavera em Abril e escuto o delírio dos nossos corações, em silêncio encaminhamos ao edifício ORL, suspiros, ouço a melodia e são dos passarinhos a cantar, fico embevecida! Depois da recepção, subimos as escadas e vimos ambas os técnicos J.H e o J.P, os dois às gargalhadas numa atmosfera bastante descontraída.

Fomos interpeladas pelo J.H que trazia nele uma enorme caixa, era o Implante Coclear da S. nesse instante vinha o J.P na qual foi carregado em tratar o meu reajuste, a partir daí separei da S. que já se encontrava sentada na sala. Prontifiquei-me, retirei o processador de fala e poisei carinhosamente na palma da mão do J.P de modo ligar a um cabo principal da programação através do computador.

Apitos a vacilar dentro da cóclea, jogar á apanhada que nem uma criança traquina, ecoava ao meu nervo auditivo, muito baixinhos e agudos. Tantos e diferentes, intermináveis e desta vez demorou mais, feito o reajuste do Sun Melody fui para outra sala de audiometria acompanhada com o J.P a realizar um teste de reconhecimento de palavras. Fiquei de pernas a abanar, nervosa como costumo estar em provas e conferências importantes, o estômago a rodar mil voltas, só queria fugir dali… são palavras de duas sílabas, um diálogo simples falou o J.P em conformidade “mal entenderes a palavra dita, diz”, assenti num abanar de cabeça dividida em pensamentos, de como estaria a correr a activação da S. e concentrar duplamente na prova. Muito atenta, acertei 9 em 40 possíveis, nunca antes treinara essas palavras auditivamente, nada mau! Os adjectivos de duas sílabas são considerados as mais difíceis…

Terminado, aceleramos para o compartimento da S. e pingo vejo o seu Implante Coclear pendurado na orelha e não é o Nucleus Freedom, questiono e tento desesperadamente encontrar o nome do processador de fala dela, visualizo a caixinha é da Med-El Opus 2.O J.H explicava-lhe todos os procedimentos e cuidados, a manutenção do processador e diversas peças nela encaixadas, tão leve e fino, menos robusto que o Nucleus Freedom e ao virar para mim, respondeu “não dei pulo nenhum, é que estava a espera e nada”, “está muito diferente do aparelho auditivo”, “ele aumentou o volume três vezes, mas ouço baixinho”.

Saímos do consultório, depois de a S. ter tido dificuldade em colar magneticamente a bobina ao chip interno. Foi engraçado, mas lá se habituou. Já estava activada! A ouvir o mundo, tudo era novidade até o bater leve na embalagem de papelão, inocentemente fiz uma pequena experiência, acarinhei o chão com a sola do meu ténis que faz aquele barulho estridente e arrepiante… agarrou-se em mim, a perguntar: “ouviste? O que foi isto?!” eu só me ria feliz, era a prova viva de que escutara, só não sabia de onde vinha ou o que significava esse som.

Repeti o acto, os seus olhos iluminaram de surpresa! “A sério! È disto? UAU!” atónita, á posteriori deu um riso, ela ficara momentaneamente paralisada ao ouvir a sua própria gargalhada! Tendo inclusive “vou passar a rir baixinho, que engraçado! Estou a gostar…” a partir daí foi descobertas atrás de descobertas e esses sons eu já as conhecia de cor, foi tão bom vivenciar esses momentos com a S. porém a aventura estava longe do fim.

Fomos para a ala dos internamentos ambulatórios, fazer uma visita surpresa á Laura, também ela deficiente auditiva onde no dia seguinte seria operada para a retirada de dois safadinhos e daqui uns meses poder colocar o tão badalado Implante Coclear. Bolas, aquilo parecia um labirinto! Gostamos muito de a conhecer, muito viva e comunicativa, tão expressiva e um longo abraço perdurou-nos apesar de lá ficarmos pouco tempo.

Podia ouvir á sua volta, pássaros a piar e dentro da camioneta bailavam vozes, diferentes e únicas. A sua própria voz, até quase ia chorando de emoção, tal era a alegria, uma grandiosidade inimaginável, as portas a fechar-se e abrir, os passos, o travar dos pneus emitia um chiado agudíssimo… os apitos da estação, o auto-falante robótico, a máquina do café, o tilintar das moedas enfim muitos e muitos sons, uns altos e baixos.

Já enterradas de cansaço, no Inter-Cidades, ela pulou com o fecho automático das portas da carruagem, o barulho do papel de embrulho enquanto comíamos pão com chouriço! Levantou-se para ir ao WC, fiquei em mim a vaguear nas recordações á janela, de repente chega um comboio noutra linha em sentido contrário, um som estrépito e altíssimo irrompe-me, e regressa a S. “Ouviste?! Passou um comboio não foi? Fogo que altoooo!”

Hora de Chegada a Santa Apolónia, e nós FELIZES!

5 comentários:

Isabel Filipe disse...

lindo o teu relato e o acompanhamento que proporcionaste à tua amiga ...

que tudo com ela, tb corra bem


beijinhos

adopcaodosanimais@gmail.com disse...

Mais uma boa experiência!! :-)

confissoesdeumasurda.blogs.sapo.pt

Z disse...

bem, se há coisa que não suporto, é o piar dos passarinhos... :D

estão em todo o lado!! grrrrrrrrr

Inês e Buba disse...

Adorei ler este post!

Começou mal - é sempre assim nestes dias...- mas continuou e acabou muito bem!

Grande dia!!

Parabéns à S.!

Monica Tanaka disse...

Lindo, poético, parece até páginas de um livro. Amei seu relato. Você deve ser de Portugal, sou do Brasil.
Felicidades